Um encontro com o selvagem

Em uma jornada extremamente exaustiva, os povos do coração europeu começaram a se locomover rumo a terras inóspitas e cheias de riquezas e possibilidades. Muitos deles buscavam novas oportunidades, pois suas terras estavam sendo tomadas pelas dificuldades financeiras geradas pelas grandes guerras. Outros, por sua vez, eram guiados pela fuga de acusações que cerceavam suas liberdades, enquanto muitos estavam a serviço das coroas e famílias que financiavam novas expedições, tendo em vista a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 29 de maio de 1453, fincando bloqueada as rotas para os mercadores cristãos.

A verdade é que todos estavam ludibriados pelas possibilidades infinitas que as terras além do mar poderiam oferecer. Era um sonho de uma nova prosperidade que acalmaria suas dores e frustrações. Foram esses anseios que levaram as grandes forças políticas a tomarem a constelação do Cruzeiro do Sul como guia e se lançarem rumo ao desconhecido.

“Chegamos a uma nova terra que, por muitas razões que enumero a seguir, observamos tratar-se de um continente. ´Estava seguro de ter descoberto um território completamente novo, não simplesmente um prolongamento para leste da Ásia. O que Colombo tinha descoberto era um continente que bloqueava o caminho para a Ásia pelo oeste, a menos que se descobrisse uma passagem que tornasse desnecessário rodeá-lo. A assombrosa observação se fez pela primeira vez em Lisboa, e a corte, os cartógrafos e os comerciantes da cidade, não tardaram em levá-la muito em conta. O excelente mapa portulano, que data de 1502, mostra o novo continente em duas partes não unidas.” – Quando Vespúcio regressou do Brasil a Lisboa escreveu a Pier Francesco dei Medici.

Amerigo Vespucci observing the Southern Cross by looking over the top of an Armillary Sphere bizarrely held from the top like it’s an astrolabe, however an astrolabe cannot be used by looking over the top of it. The page inexplicably contains the word “Astrolabium,” by Jan Collaert II. Museum Plantin-Moretus, Antwerp, Belgium.

Os problemas marítimos, associados às dificuldades de alimentação e higienização, formaram um cenário quase que impossível de ser atravessado. Os diversos indivíduos que participaram dessas expedições aos poucos estavam morrendo e ficando cada vez mais debilitados, colocando a fé e a crença em xeque. Nos dias atuais, há quem diga que a exploração dos mares naquele período é passível de comparação com os riscos que o homem enfrentou para sair do planeta e chegar à lua, tratando-se de uma jornada ao desconhecido com poucas chances de retorno.

Quanto às informações sobre a existência de outros continentes, isso é incerto. Como muitos sabem, existem teorias modernas que buscam afirmar que havia informações prévias a respeito das novas terras, não se tratando de um descobrimento, mas sim de uma nova exploração. Independentemente, não há como negar que a jornada foi algo para poucos e que o instinto de sobrevivência estava sempre alerta.

Ao atracarem em uma nova terra, cercada de florestas e uma natureza viva, se depararam com selvagens de diversas etnias e com suas particularidades. O tribalismo era regra e as divergências entre grupos era viva, muitos estavam em situações de conflitos por ganho territorial, trabalhavam em conjunto com a comunidade para ampliar sua linha de influência e assim prosperarem. Os viajantes se depararam com uma grande comunidade guerreira, muitos com arcos e flechas, lanças e outros tipos de ferramentas mortíferas, demonstrando que estavam preparados para conflitos e disputas.

Nos primeiros anos ao conviverem com esses selvagens, os exploradores constataram que não se tratava de seres dotados de mansidão e pouco esforço. A abundância natural apenas dava mais vazão ao desenvolvimento da sociabilidade através dos cultos e cerimônias que praticavam. A semelhança entre o selvagem e o possível homem moderno europeu que pisou nas terras brasileiras torna-se evidente ao observarmos que, assim como os europeus, os nativos também estavam imersos em um contexto de guerra e violência.

A antropofagia, muitas vezes considerada um ato bárbaro, pode ser vista como uma expressão diferente da vitória da tribo vencedora. Enquanto para os europeus a vitória poderia significar o controle territorial e a submissão do inimigo através da escravidão, para os nativos, a antropofagia era uma forma peculiar de demonstrar domínio sobre o derrotado, incorporando fisicamente a força do adversário.

 

“Fazem isto, não para matar a fome, mas por hostilidade, por grande ódio, e quando na guerra escaramuçam uns com os outros, gritam entre si, cheios de fúria: “Debe marãpá Xe remiu ram bengué, sobre ti caia toda desgraça, tu és meu pasto. Nde acanga jucá aipotá curi ne, quero ainda hoje moer-te a cabeça. Xe anama poepica que Xe aju, aqui estou para vingar em ti a morte dos meus amigos. Nde rôo, Xe mocaen será ar eima riré etc., tua carne hoje ainda, antes que o sol se deite, deve ser meu manjar”. Isto tudo fazem por imensa hostilidade.” – Hans Staden, no século XVI

A miscigenação entre o selvagem e o europeu não difere da história formadora de Roma com o rapto das sabinas e pode ser interpretada como uma necessidade de sobrevivência de um povo e o nascimento de uma nova civilização. Outro fator é que isso também ocorria entre as tribos que guerreavam entre si; a estruturação da vida de ambos os povos está atrelada à violência entre homens e à captura de mulheres para o aumento da prole, atividade que também é vista entre chimpanzés e outros primatas.

O que o homem europeu encontrou em novas terras foi um reflexo de suas próprias ações sendo realizadas em um contexto diferente.

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